
Na última quinta-feira (26), durante o 35º encontro da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), o tratado voltou a ser tema central após a China criticar a postura dos Estados Unidos, acusando-os de adotarem uma posição oportunista na interpretação e aplicação das normas marítimas. A CNUDM, também conhecida como Convenção de Montego Bay (1982), estabelece o marco jurídico para a governança dos oceanos, delimitando direitos e deveres dos Estados costeiros e de bandeira em relação às zonas marítimas — como mar territorial, zona econômica exclusiva (ZEE), plataforma continental e alto-mar —, sendo fundamental para o direito internacional.
A advogada especialista em direito marítimo e diretora regional da Wista Brazil, Cristina Wadner, do escritório Cristina Wadner Advogadas Associadas, explica o contexto jurídico da controvérsia. “A acusação revela uma disputa por autoridade normativa. Enquanto os EUA se baseiam na Convenção como norma consuetudinária e defendem a liberdade de navegação, a China questiona a validade dessa posição diante da não adesão formal dos Estados Unidos à CNUDM. Os EUA participaram das negociações e reconhecem muitos princípios do tratado como direito internacional consuetudinário, mas não o ratificaram. Invocam a Convenção seletivamente, quando isso favorece seus interesses estratégicos, e a rejeitam quando não lhes convém, alegando não serem parte do tratado, especialmente no que diz respeito às obrigações e limitações impostas pela Convenção”, explica a advogada.
Segundo Wadner, essas divergências entre as grandes potências afetam diretamente a estabilidade e a previsibilidade do direito marítimo internacional. “Essas disputas comprometem a eficácia normativa e a confiança mútua entre os Estados, transformando o direito marítimo em instrumento de poder, em vez de um conjunto de regras previsíveis e consensuais. As divergências minam a força da CNUDM, enfraquecem os mecanismos jurídicos multilaterais, aumentam a insegurança e incentivam ações unilaterais baseadas no poder de fato, e não no direito.”
A estabilidade do direito marítimo internacional depende de coesão interpretativa, adesão universal e respeito aos mecanismos jurídicos de solução de controvérsias — elementos que ficam seriamente comprometidos diante da atuação ambígua ou seletiva dos principais atores globais.
A advogada ressalta que, quando potências como os EUA, que não são signatários formais da CNUDM, aplicam trechos do tratado por via costumeira, ou quando a China reinterpretam unilateralmente conceitos jurídicos, como a chamada “linha de nove traços” e a extensão da sua ZEE, isso gera fragmentação interpretativa, reduzindo o valor da Convenção como fonte de segurança jurídica e previsibilidade internacional.
Faça um comentário