Metade das crianças refugiadas do mundo está fora da escola, diz relatório do ACNUR

Na Escola Primária Vahdat em Isfahan, no Irã, a mistura de alunos refugiados e nacionais gera entusiamo entre as crianças. Foto: ACNUR/Mohammad Hossein Dehghanian

Se a comunidade internacional não tomar medidas imediatas e ousadas para combater os efeitos catastróficos da COVID-19 na educação de pessoas refugiadas, o potencial de milhões de jovens refugiados que vivem em algumas das comunidades mais vulneráveis ​​do mundo ficará ainda mais ameaçado.

O alerta é feito pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), que divulgou nesta quinta-feira (3) o relatório “Unindo Forças pela Educação de Pessoas Refugiadas” (disponível aqui, em inglês) cujos dados têm como base números brutos de matrículas do ciclo escolar de 2019.

Embora a COVID-19 tenha afetado a educação de crianças em todos os países, o relatório revela que crianças refugiadas têm sido particularmente desfavorecidas. Antes da pandemia, uma criança refugiada tinha duas vezes mais chances de estar fora da escola do que uma criança não refugiada.

E a situação tende a piorar: muitas podem não ter oportunidades de retomar os estudos devido ao fechamento de escolas, dificuldades para pagar mensalidades, uniformes ou livros, falta de acesso a tecnologias ou porque são obrigadas a trabalhar para sustentar suas famílias.

“Metade das crianças refugiadas do mundo já estava fora da escola”, afirmou Filippo Grandi, alto-comissário da ONU para refugiados. “Depois de tudo o que passaram, não podemos roubar seu futuro negando-lhes educação.”

“Apesar dos enormes desafios impostos pela pandemia, com maior apoio internacional aos refugiados e às comunidades que os acolhem, podemos criar formas inovadoras para proteger os avanços essenciais alcançados na educação de refugiados nos últimos anos”, completou.

Sem um apoio maior e efetivo, avanços alcançados a muito custo para aumentar as taxas de matrículas em escolas, universidades e educação técnica-profissional poderão ser revertidos e, em alguns casos, permanentemente. Isso potencialmente prejudicará os esforços para atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4, que visa garantir educação de qualidade inclusiva e equitativa para todas e todos.

No epílogo do relatório, Mohamed Salah, embaixador do ACNUR para o Programa Instant Network Schools, feito em parceria com a Fundação Vodafone, afirmou: “garantir uma educação de qualidade hoje significa menos pobreza e sofrimento amanhã”.

“A menos que todos façam sua parte, gerações de crianças — milhões delas em algumas das regiões mais pobres do mundo — enfrentarão um futuro sombrio. Mas se trabalharmos como equipe, poderemos dar a elas a chance que merecem de ter um futuro digno. Não vamos perder esta oportunidade.”

Os dados do relatório são de 2019 e têm como base informes de doze países que acolhem mais da metade das crianças refugiadas do mundo. Enquanto na escola primária (equivalente no Brasil ao ensino fundamental) a taxa de matrícula de crianças refugiadas é de 77%, apenas 31% dos jovens nesta população estão matriculados na escola secundária (equivalente ao ensino médio no Brasil). No ensino superior, apenas 3% dos jovens refugiados estão matriculados.

Muito atrás das médias globais, estas estatísticas, no entanto, representam um progresso. As matrículas no ensino secundário aumentaram 2% apenas em 2019, com um acréscimo de dezenas de milhares de novas crianças refugiadas frequentando a escola. No entanto, a pandemia de COVID-19 agora ameaça desfazer este e outros avanços cruciais. Para as meninas refugiadas, a ameaça é particularmente grave.

Meninas refugiadas já têm menos acesso à educação do que os meninos e ainda têm metade da probabilidade de se matricular na escola quando chegam ao nível secundário. Com base nos dados do ACNUR, o Fundo Malala estimou que, como resultado da COVID-19, metade de todas as meninas refugiadas na escola secundária não retornará quando as salas de aula forem reabertas neste mês¹. Para os países onde a taxa bruta de matrícula de meninas refugiadas já era inferior a 10%, todas as meninas correm o risco de abandonar os estudos para sempre, uma previsão assustadora com impacto nas gerações futuras.

“Estou especialmente preocupado com o impacto sobre as meninas refugiadas. Educação não é apenas um direito humano fundamental, mas a proteção e os benefícios econômicos para as meninas refugiadas, suas famílias e comunidades são claros. A comunidade internacional simplesmente não pode deixar de oferecer a elas as oportunidades que vêm por meio da educação”, disse Grandi.

Adaptar-se às limitações impostas pela COVID-19 tem sido especialmente difícil para 85% dos refugiados do mundo que vivem em países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos. Telefones celulares, tablets, laptops, conectividade e até aparelhos de rádio muitas vezes não estão disponíveis para as comunidades que foram forçadas a se deslocar.

O ACNUR, governos e parceiros estão trabalhando incansavelmente para preencher as lacunas críticas e garantir a continuidade da educação de refugiados durante a pandemia por meio de aprendizagem conectada, televisão e rádio, e apoiando professores e cuidadores a se envolverem com os alunos, observando as diretrizes de saúde.

O relatório também mostra como famílias, comunidades e governos estão trabalhando para fornecer educação às crianças refugiadas. Também revela exemplos positivos de governos que transformaram em lei o direito das crianças refugiadas a frequentar escolas públicas, com histórias do Equador e do Irã.

Exemplos de inovação digital são destacados pelo ministro da Educação do Egito e por uma família na Jordânia que se beneficia da transição para o aprendizado online. Com mais da metade dos refugiados do mundo vivendo em ambientes urbanos, a importância das cidades que acolhem refugiados é enfatizada, com prefeito de Coventry (no Reino Unido) compartilhando como a cidade administra o tema e por que faz sentido seguir este caminho de inclusão.

O relatório insta governos, setor privado, sociedade civil e outras partes interessadas a unir forças para encontrar soluções que fortaleçam os sistemas nacionais de educação e se conectem com os caminhos para a educação formal e certificada, e para garantir e salvaguardar financiamento para a educação. Sem essa ação, o relatório alerta, corremos o risco de perder uma geração de crianças refugiadas privadas de educação.

Os riscos para a educação de refugiados não param com a COVID-19. Os ataques a escolas são uma realidade sombria e crescente. O relatório foca a região do Sahel, na África, onde a violência forçou o fechamento de mais de 2,5 mil escolas, afetando a educação de 350 mil alunos.

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