Daniela Salomão: “O Sistema Nacional de Transplantes é sólido, seguro e confiável”

Coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes do SUS explica detalhes, critérios e controles que permitem que todos tenham os mesmos direitos e oportunidades

O Sistema Nacional de Transplantes do Brasil ganhou notoriedade nos últimos dias em função da visibilidade do caso do apresentador Fausto Silva, que precisou passar por um procedimento de transplante de coração, entrou na lista oficial organizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), conseguiu um órgão compatível de acordo com os critérios médicos e passou pelo procedimento cirúrgico no último fim de semana.

A visibilidade ao assunto trouxe dúvidas, desconfianças e uma boa carga de desinformação em torno do tema. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, concedeu entrevistas e publicou um fio em seu perfil de Twitter. Ela lembrou que só no primeiro semestre houve 206 transplantes de coração no país, aumento de 16% em relação ao do ano passado.

Pelas estatísticas do sistema, a maioria das pessoas consegue um coração em até três meses. O tempo atual de espera é de menos de um mês para 27,5% das pessoas que estão na lista e de um a três meses para 24,8% dos pacientes.

“Temos no #SUS o maior sistema público de transplantes do mundo, que atende com igualdade a qualquer paciente, da rede pública ou privada”, disse a ministra, e defendeu a doação de órgãos. “Um doador pode salvar até oito vidas. Fale com sua família, só ela pode autorizar a doação e precisa saber de sua intenção”, completou.

Para ajudar a desmistificar imprecisões, a coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde, Daniela Salomão, concedeu essa entrevista em tom de tira-dúvidas. Ela explica conceitos técnicos e requisitos que ajudam a garantir que não haja privilégios na lista de quem espera por um órgão.

“Os critérios que definem quem vai receber os órgãos são únicos. Dependem da condição clínica daquele paciente, da tipagem sanguínea, de peso, altura, idade, tempo que está em lista e critérios de gravidade”, explicou, lembrando que a proximidade geográfica também é determinantes, porque alguns órgãos, como coração e pulmão, precisam ser transplantados em no máximo quatro horas.

CONFIRA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA COM DANIELA SALOMÃO

Como é feita a ordem de prioridade na lista para transplantes. E por que não é correto falar em fila, mas sim em lista?

A gente evita falar fila porque a fila dá a ideia de que é um atrás do outro, né? Gera um tipo de pensamento assim: “Eu vou ser transplantado porque entrei na lista primeiro do que o outro”. Mas não é assim. Os critérios que definem quem vai receber os órgãos são únicos. Dependem exatamente da condição clínica daquele receptor, da tipagem sanguínea, de peso, altura, idade, tempo que está em lista e critérios de gravidade. Esses critérios têm que estar de acordo com a doação. A gente sempre diz que a lista é dinâmica porque, se eu tiver três doações ao longo do dia, as três listas geradas serão diferentes. Isso porque ninguém é igual a ninguém e cada critério de doador vai gerar uma lista específica de pacientes para aqueles dados, para aquela informação, para aqueles critérios inseridos no sistema.

Existe uma lei que determine esses critérios todos?

O sistema brasileiro de transplante é regulamentado por uma portaria. Todos os critérios técnicos necessários para um paciente entrar em listas de transplantes estão definidos na portaria e adaptados ao nosso sistema informatizado. Então, todos os pacientes são regidos pelos mesmos critérios técnicos. Óbvio que eles se diferem para cada modalidade de transplante, mas ele é o mesmo para qualquer paciente que precise de um transplante no nosso país.

Que tipo de situação move um paciente na prioridade da lista?

Os pacientes entram na lista de acordo com a informação fornecida pelas equipes de transplante, quando elas inserem os dados daquele paciente no sistema. Ao longo do tempo, pode ser que o paciente piore ou melhore, e nessa mudança de status do paciente é necessário que a equipe atualize o sistema. São os critérios técnicos e de gravidade que movem o paciente em cada lista de doação no país. O sistema trabalha para encontrar o melhor órgão possível para a necessidade de cada paciente. E são esses critérios técnicos que vão permitir esse casamento entre a necessidade do paciente e o órgão doado.

Quanto tempo, em média, alguém que entrou hoje na lista por um coração aguarda até conseguir um transplante?

Média é um número bastante complicado para a gente trabalhar, porque o paciente, no momento em que entra na lista, já está concorrendo. Então, se acontecer uma doação duas horas depois que o paciente entrou na lista e os critérios técnicos daquele doador forem favoráveis para aquele paciente, ele será contemplado. Já ocorreu no nosso país de paciente com transplante com menos de 24 horas. Acontece. Os critérios estão lá, são técnicos, são estabelecidos e às vezes acontece uma doação que casa os critérios do doador com aquele receptor. Então, não é previsível o tempo que um paciente vai permanecer aguardando. Óbvio que, quanto mais doações tivermos no país, menor vai ser o tempo de espera dos pacientes.

Quanto tempo os médicos têm entre a doação, a coleta de um órgão e o transplante do órgão para outra pessoa?

Isso varia de acordo com o órgão a ser transplantado. Nosso menor tempo, de janela de oportunidade, é no transplante de coração e de pulmão, onde a cirurgia de extração, até a cirurgia de implante, a gente tenta trabalhar numa janela de quatro horas. Então, um tempo bastante curto para organizar todo o processo. Quando a gente fala de transplante de fígado, sobe um pouquinho o tempo para oito horas, e no transplante renal, a gente consegue subir para 24 horas. Tem muita gente trabalhando nesse processo para a gente fazer no menor tempo possível, porque a gente sabe que, quanto menor o prazo, melhores os resultados do transplante.

Quem fiscaliza o Sistema Nacional de Transplantes para garantir que não haja fraude. É possível que a família do paciente acompanhe a situação na lista?

Todos os pacientes têm direito de saber o seu número de registro no Sistema Brasileiro de Transplantes. Esse número geralmente é fornecido pela equipe de transplante no momento em que ele é inserido no sistema. Esse sistema gera um prontuário. Cada vez que o sistema recebe uma oferta, essa oferta fica visível, fica registrada. Então, quando o paciente for a uma consulta médica, ele pode pedir ao médico que o acompanha para explicar como está a situação dele. A família tem também acesso ao sistema de casa. Se ela tem acesso à internet, tem como acessar o sistema e puxar o prontuário, saber como está sua situação na lista.

Quais os principais motivos para que um órgão não seja transplantado?

Quando a gente fala de transplante, a gente está dizendo que um órgão pode ser utilizado por uma outra pessoa em condições adequadas para que ele recupere a sua saúde. Então, esse órgão, para ser utilizado, precisa estar em condições adequadas. Tudo isso é avaliado enquanto estamos fazendo o protocolo de morte encefálica, as equipes assistentes também estão avaliando a condição daquele doador. Doenças preexistentes podem contraindicar doação. Doenças que podem ser transmitidas a um paciente podem contraindicar uma doação. E, às vezes, até no momento da cirurgia de captação, podem ser identificadas situações que impeçam o uso daquele órgão para transplante. Então, são diretrizes técnicas, avaliadas durante o processo de internação e continuada no momento da cirurgia de extração.

Doar órgãos é verdadeiramente seguro?

Eu gostaria de enfatizar que o sistema brasileiro de doação segue normas muito rígidas e o Conselho Federal de Medicina estabeleceu critérios para diagnóstico de morte encefálica. No nosso país, nós somente temos autorização de entrevistar uma família para doação de órgãos após cumpridos todos os critérios de diagnósticos de morte encefálica. A gente pode usar exames complementares, já definidos pelo Conselho Federal de Medicina, para fechar o diagnóstico. Então, são dois exames clínicos e um exame complementar. Somente após cumpridas essas três etapas que a família poderá ser entrevistada. Um dado importante: qualquer família pode solicitar que um médico de sua confiança acompanhe todo esse processo, cada exame clínico pode ser acompanhado por um médico de confiança da família.

O que é preciso para ser um doador?

Para que a gente se torne doador, basta conversar com a família. São as nossas famílias que, no momento do nosso falecimento, terão a oportunidade de autorizar, de consentir. É um assunto que precisa ser conversado, precisa ser discutido nos lares e a pessoa precisa se declarar para a família. O que ela quer que aconteça no momento de seu falecimento. Ela quer ser doadora? Ela quer ajudar as pessoas que estão em lista? É uma opção de cada um de nós.

Quanto custaria um transplante no Brasil, caso o paciente não tivesse o SUS para socorrer?

A gente não tem como dizer quanto custaria um transplante porque depende de cada hospital, porque aí estamos falando de conta de internação, honorário médico etc. O que podemos falar aqui no Ministério da Saúde é que a doação de órgãos no Brasil não tem custo para o paciente, nem do SUS nem do privado. O Brasil, o Sistema Nacional de Transplante, através do Ministério da Saúde, coordena e organiza todo esse processo para que os pacientes em lista sejam atendidos.

Houve o aumento de 16% no número de transplantes de coração realizados no primeiro semestre deste ano comparado com o ano passado. Quais os principais motivos? A gente pode falar que existem mais pessoas doando?

A gente consegue, sim. A única forma de a gente aumentar o número de transplantes no país, ou em qualquer país, é através do aumento das doações. Então, quanto mais doadores

tivermos, menor será o tempo dos pacientes que estão em lista. Então, esse aumento de 16% no número de transplantes realizados significa um aumento de doação.

Que mensagem a senhora deixaria para uma pessoa que está em dúvida, que não tem informação e que gostaria de entender mais sobre a doação de órgãos?

O Sistema Brasileiro de Transplante é sólido, é um orgulho para todos nós brasileiros. Ele é gerenciado pelo Ministério da Saúde, coordenado pelas centrais estaduais de transplantes. Nós temos pessoas em todos os estados que trabalham o processo de doação e transplante. É um sistema seguro, confiável e de orgulho para todos nós. O nosso país nos dá a oportunidade de realização do transplante pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e não só isso. O Ministério da Saúde fornece a medicação necessária para uso no pós-transplante para todos os pacientes. Então, eu acho que a gente tem que se orgulhar do SUS.

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