De motorista de ônibus a presidente da Venezuela : A trajetória de Nicolás Maduro

Nicolás Maduro, de 62 anos presidente da Venezuela pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), autoridade eleitoral do país

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, conquistou seu terceiro mandato do Executivo mais longevo da história do país do período democrático, desde 1958.

Conhecido nos últimos 20 anos por sua atuação como deputado, chanceler e vice-presidente durante os governos de Hugo Chávez, o mandatário reeleito tem 62 anos e uma trajetória política que começa ainda na sua infância.

A vida política de Maduro está muito ligada à atuação de seu pai. Nicolás Maduro Garcia era economista e foi dirigente do partido Ação Democrática (AD). Quando a legenda se tornou clandestina, em 1948 durante a ditadura de Marco Pérez Jiménez, Nicolás pai passou para resistência contra o regime militar. Mais tarde, fundou o Movimento Eleitoral do Povo (MEP), um partido socialista que surgiu após a separação da Ação Democrática no período mais duro da ditadura venezuelana.

Foi em meio a este contexto político que Nicolás Maduro se formou. Nascido no bairro de Los Chaguaramos, em Caracas, em 1962, sua família é colombiana e chegou à Venezuela pelo estado de Falcón, no oeste do país. Ele é o único filho homem de Nicolás Maduro García e Teresa de Jesús Moros. Juntos, eles têm outras 3 filhas: Anita, Josefina e Maria Teresa.

Uma das paixões da infância era o beisebol. Torcedor fanático dos Leones de Caracas, escutava com o pai os jogos no rádio e chegou a dedicar-se ao esporte, disputando campeonatos metropolitanos. Certa vez, recebeu uma proposta para fazer um teste em um time nos Estados Unidos, mas recusou porque teria que viver do beisebol, algo que ele não queria naquele momento.

Desde cedo, seu pai incluia ele na política. Com apenas 5 anos, Nicolás já participava de atos e, segundo o próprio, recebia um megafone para entoar gritos a favor da candidatura de Luis Beltrán Prieto Figueroa para senador. Além de atuar na Casa Alta, ele também foi ministro de Educação do país e foi um dos quadros da esquerda naquele momento. A atuação política do pai de Maduro também extrapolava os limites partidários e tinha forte atuação sindical. Já sua mãe era dona de casa e ajudou na formação estudantil de Maduro.

Ele começou a estudar no Colégio San Pedro, onde também formou a sua vida religiosa. Foi coroinha na Igreja do colégio e sua mãe queria que ele seguisse a carreira no catolicismo como padre. Não foi para esse caminho que a história conduziu. Durante a adolescência, se aproximou da música também. O rock foi seu gênero preferido, mas ele também aprendeu a ter um carinho pela salsa, estilo muito marcante na cultura do país.

À medida que Maduro crescia, a cidade de Caracas também passava a receber muitos trabalhadores rurais que buscavam os centros urbanos, abandonados pelo crescimento do modelo econômico petroleiro. A cidade enriqueceu ao passo que cresceram também as zonas populares, que passaram a ocupar os morros do sul da capital. 

Aos 14 anos, ele entrou no colégio Luis Manuel Urbaneja Archepol, onde conheceu dois amigos que seriam importantes para o resto de sua vida: Pedro Calzadilla (que foi ministro da Educação) e Roman Chamorro, que mais tarde levou Maduro à Liga Socialista. Os três começaram uma vida ativa na política e Maduro entrou no Partido da Revolução Venezuelana, uma organização clandestina de esquerda. Durante o colégio, Maduro conheceu também Carlos Carillo, que o convidou para ser baixista da sua banda chamada Enigma.

Depois, no Liceu José Avalos, continuou sua participação política no movimento estudantil enquanto começava a se aproximar da Teologia da Libertação – corrente progressista da Igreja Católica que busca conscientizar os fiéis de que sua pobreza não é desejada por Deus, nem é natural, mas consequência de forças sociais e políticas que os exploram.

Liga socialista e o Caracazo

O interesse e a participação foi crescendo e Maduro se tornou cada vez mais linha-de-frente das manifestações estudantis reprimidas pela polícia. Durante a sua militância na juventude, ele encontrou um cenário de reformulação dos partidos políticos. A ditadura havia terminado em 1958 e Rafael Caldera assumiu a presidência com uma “política pacificadora”.

A luta guerrilheira ficou desmobilizada no país. O Partido Comunista da Venezuela deixou a luta armada e aí surgiu a Liga Socialista, como uma organização marxista-leninista para ocupar um espaço de formação e articulação política à esquerda no país. Entre os fundadores estava Jorge Antonio Rodríguez, pai da atual vice-presidenta, Delcy Rodríguez, e o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez. Nicolás entra na organização em 1980, com 18 anos.

O envolvimento de Nicolás a partir de então é total com a organização e ele tornou a Liga Socialista parte da sua vida. Com o grupo, ganhou uma bolsa para estudar em Cuba e permaneceu, de outubro de 1986 a julho de 1987, como estudante na Escola Superior do Partido Ñico López. A instituição formava parte de um grupo de unidades de formação universitária de graduação e pós-graduação para quadros políticos, sendo o curso mais forte de Ciências Sociais.

Maduro voltou de Havana com o discurso político mais consolidado, como ele mesmo diz, e tendo já em mente uma visão ampla dos movimentos de esquerda da América Latina. Em 1988 ele se casou com Adriana Guerra Angulo, com quem tem seu único filho, Nicolás Ernesto Maduro Guerra.

Um ano depois de voltar, ocorre o Caracazo. O então presidente venezuelano Carlos Andrés Perez assumiu em 1989 e assinou um memorando com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para empréstimos, além de anunciar um pacote que incluía a desvalorização da moeda venezuelana, o bolívar, redução do gasto público e do crédito, aumento nos itens de primeira necessidade e um reajuste que dobraria o preço da gasolina. Tudo isso não estava na campanha e os venezuelanos se revoltaram com o que chamaram de “estelionato eleitoral”.

Por ser uma revolta popular sem uma organização coordenando, os protestos são disseminados por toda a capital e Maduro participa de maneira tímida, sem um envolvimento direto. O movimento, duramente reprimido, não conseguiu derrubar o presidente, mas marcou um ponto de virada para a sociedade venezuelana.

Sindicalismo e relação com Chávez

Em 1990, Maduro é contratado para trabalhar como motorista nos MetroBuses, sistema de ônibus do Metrô de Caracas. A companhia foi fundada em 1975 pelo então presidente Carlos Andrés Perez e o transporte ligava a região leste a oeste da capital. Segundo Maduro contou em entrevistas, o objetivo da Liga Socialista era entrar nas mais diversas estruturas públicas e privadas para formar uma força sindical mais robusta no país.

Maduro então começou a organizar os trabalhadores da empresa em discussões e assembléias até fundar o Sindicato do Metrô de Caracas (Sitrameca). Ali, ele expôs aos trabalhadores a necessidade de começar um processo de transição ao socialismo, mas essa ideia só começaria a ganhar forma em 1992, quando ele conheceu um personagem que mudaria sua vida.

Naquele ano, enquanto operava a linha 472 que ligava San Bernardino a Bellas Artes, Maduro é informado por um amigo que haveria uma manifestação insurrecional de dois militares. O sindicalista olhou com desconfiança porque, segundo ele mesmo, muitos movimentos pediam a participação de sindicatos mas, alguns deles, apenas se utilizavam dessas organizações.

A surpresa de Maduro se deu quando em 4 de fevereiro ele liga a televisão e assiste ao pronunciamento do então comandante Hugo Chávez antes de sua prisão: “Antes de mais nada, gostaria de dar bom dia a todo o povo venezuelano. Esta mensagem bolivariana é dirigida aos valentes soldados que se encontram no regimento de paraquedistas de Aragua e na Brigada Blindada de Valencia.

Companheiros, lamentavelmente, por agora, os objetivos que colocamos não foram atingidos na capital”.

Aquele discurso contagiou muitos venezuelanos e mudou a vida de Nicolás Maduro. O motorista de ônibus foi visitar Chávez no presídio de São Francisco de Yare logo pós sua prisão e ali começou a relação entre os dois. Na ocasião, Chávez passou 50 minutos fazendo uma leitura da conjuntura e explicando os próximos passos para mobilizar as pessoas nas ruas e os militares nos quartéis em um movimento bolivariano que, se possível, chegaria ao poder de forma pacífica.

1999: Vitória eleitoral e vida política

O ano de 1994 foi marcante para Nicolás. Após o falecimento de sua mãe, Teresa Moros de Maduro, Chávez deixou a prisão e Maduro conheceu Cilia Flores, então advogada do comandante. Os dois passaram a conviver juntos perseguidos pelas forças de segurança pelo envolvimento com Chávez e os movimentos populares. Cilia tinha já 3 filhos, que passaram a ser criados junto com Nicolás. No entanto, os dois se casariam no papel só em 2013.

Quando Chávez foi solto já contava com um grande apoio popular nas ruas. Em 1997, o comandante decidiu que tentaria, com o Movimento Quinta República (MVR), chegar ao poder pelas vias eleitorais, no pleito de 1998. O movimento era abrangente e aglutinava desde militares aposentados até sindicalizados, grupos de esquerda e religiosos. Nicolás foi um dos membros fundadores do MVR em outubro de 1997.

Chávez venceu as eleições de 1998 e começou um de seus principais projetos: uma reforma da Constituição. Maduro foi eleito então deputado constituinte pelo MVR, defendendo uma democracia participativa e protagônica. Ele foi responsável pela Comissão de Participação Política, que recebia propostas de todo o país para o novo texto. As ideias eram coletadas em um caminhão que passou por todos os cantos do país.

Depois da aprovação da nova Carta Magna, Maduro foi eleito deputado para a Assembleia Nacional em 2000, pelo Distrito de Caracas. A maior bancada já era do MVR, com 92 dos 165 deputados. Pouco tempo depois de assumir, no entanto, veio o golpe contra Chávez. Em 2002, a oposição, que já estava articulada entre as classes médias e setores empresariais venezuelanos, começou uma onda de protestos que passaram a ter maior peso com paralisações no principal setor da economia venezuelana: o petróleo. A partir daí a massificação das manifestações e o apoio empresarial impulsionaram um golpe que forçou a saída de Chávez.

Setores militares e empresários tomaram o poder em um golpe de Estado que desencadeou uma repressão de dois dias contra os apoiadores de Chávez.

Maduro relata que, naqueles dias, ele foi orientado pelo comandante, antes de sua prisão, a tentar se salvar e fugir da repressão com Cilia Flores, o atual procurador-geral, Tarek William Saab, o ex-deputado Pedro Carreño e o deputado Angel Rodríguez. Os cinco passaram a madrugada de 11 para 12 de abril circulando por Caracas para tentar encontrar um ponto para tentar fugir. Eles conseguiram se manter dentro de um carro durante toda a noite. No dia 13, os apoiadores de Chávez vão para as ruas e pedem a volta do presidente, que terminaria voltando triunfante ao poder após uma ação da Guarda Presidencial que não aderiu ao golpe e tomou o Palácio por dentro, expulsando os golpistas.

O deputado Maduro e a relação com os EUA

Depois daqueles dias, a relação entre Estados Unidos e Venezuela ficou muito abalada pelo apoio estadunidense ao golpe. Chávez disse que havia evidências do envolvimento militar dos EUA no golpe de Estado. Por isso foi criado o Grupo de Boston, uma comissão que envolvia congressistas dos dois países para normalizar a relação. Maduro foi um dos 10 deputados que representou o Estado venezuelano e, pela primeira vez, teve um protagonismo internacional.

O grupo teve uma atuação discreta para resolver as questões diplomáticas entre EUA e Venezuela, mas a atuação de Nicolás naquele momento foi determinante para que, mais tarde, ele fosse escolhido como ministro das Relações Exteriores de Chávez.

Enquanto isso, o trabalho dele seguia na Câmara. De todas as leis discutidas no período em que foi deputado, as mais importantes foram as leis de Terras e de Desenvolvimento Agrário e a de Hidrocarbonetos. A primeira buscava uma distribuição justa da riqueza e um planejamento estratégico, democrático e participativo para a propriedade da terra e o desenvolvimento da terra e toda a atividade agrícola.

A segunda exigia que a estatal petroleira PDVSA tivesse participação majoritária em joint ventures com empresas privadas e estrangeiras. A lei também determinava o controle da venda de petróleo pela empresa estatal.

Chanceler e presidente

Maduro foi eleito presidente da Assembleia Nacional em 2005 e ficou no cargo até 7 de agosto de 2006, quando assumiu o Ministério das Relações Exteriores. Ele foi

chanceler durante seis anos, em um momento crucial para a política externa venezuelana. O reconhecimento da soberania da Palestina, a aproximação com Rússia, China e Irã e o estreitamento com Cuba foram determinantes no trabalho do hoje presidente.

Mas um dos pontos principais foi a articulação regional. O fortalecimento de grupos como a  Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América -Tratado Comércio dos Povos (Alba-TCP), União de Nações Sul-Americanas (Unasur) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) foram cruciais para a colocação da Venezuela como uma liderança caribenha. Portal R8 vai dar continuidade nos próximo dias.

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